quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Voar alto debaixo da árvore


Caberá tamanho amor dentro das almas? O que nos faz mover será o que nos desperta ou o que nos adormece? Quais serão os momentos que vivo acordada? Quando abraço a minha avó, quando desço  montanhas, quando faço acontecer, quando choro porque não entendo, quando oiço, quando adormeço em regaços? 

Quais serão os momentos que vivemos acordados? Porque são infintamente finitos? Porque têm de acabar para persistir nas memórias? Porquê a distância, o caminho, o propósito?

Acordar todos os dias na mesma cama, ou em camas diferentes, em tendas, em colchões, na areia, e na relva. Acordar na mesma cama e saber-lhe o cheiro, ou adivinhar onde estou antes de abrir os olhos. Em que dias acordo para acordar? Em que dias acordo para voltar a adormecer?

Mas caberá tanto amor ou preciso de enviar postais de beijos, lágrimas e abraços? Quantas vezes preciso de retomar o que acabou? Quantas vezes  devo dizer ao vento que sinto a vossa falta? 

É preciso ter olhos na testa e na nuca, sempre um passo em frente, sempre um passo de regresso.
Porque é querer partir mas prendendo amarras. 
É querer voar alto debaixo da árvore.

O que é contido



No fim é conosco que nos deitamos, todas as noites
É conosco que fechamos os olhos
No fim é o amor que recolhemos e carregamos cá dentro
Como um tesouro
Como se fôssemos arcas
Capazes de armazenar.

Mas no fim, afinal,
somos apenas a arca
Que se fecha
às vezes
(poucas vezes, essas!)
que se abre.

Singela e inteira.
Produzida em cadeia.
Repetida, numérica,
Aguardando sua chave.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Caminho




De que estamos à procura?
Diz-me honestamente, de que estamos à procura?
Não podemos, por um momento, parar de procurar.
Para colher o fruto sumarento das árvores, 
para partilhá-lo à sombra antes do pôr do sol.

Ao som de: Arcade Fire - Photograph

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Azul


Era uma terra cheia de luz e imperfeita. Imperfeita, porque só assim podemos cheirar o bafo do verão entre as ervas, os animais à solta percorrendo as estradas pachorrentos, as frutas a apodrecer ao sol. Era uma terra quente e cheia de luz, um Verão quente em que cada metro percorrido era metro de descoberta. E as pessoas eram escuras, ou muito jovens ou muito velhas, empoleiradas em muros, em tronco nu, andando de bicicleta, de pele molhada e conchas nos pés, de pele seca carregando melancias. Melancias por todo o lado - em carroças puxadas por burros, em camiões, atiradas ao acaso, ornamentadas em caixas verticais rodeadas de pêssegos ameixas e meloas, protegidas por telheiros improvisados de rama e palha e velhinhas que se sentam com bengalas ou velhos de boina em bancos pequeninos. Era uma terra quente e era verão, aliás, é verão enquanto escrevo e estou aqui, mas falo no passado porque em breve o será, para sempre, todas as vezes que reler isto. Era cheio de luz e as estradas esburacadas por terramotos e desmazelo, caminhos difíceis para pequenos paraísos de água cristalina e azul profundo, o fundo do mar até ao infinito. Olhar para o mar como para o céu e ver o horizonte, o horizonte em todo o lado horizontes de azul que se dissipam até não saber onde é o mar onde é o céu,  aquilo ali ao fundo são ilhas esfumadas ou nuvens que se aproximam, não sei. Eram caminhos difíceis e poucas pessoas a chegarem ao paraíso, era preciso percorrer tantas montanhas e aldeias construídas nos morros, tantas igrejas singelas e varandas sobre o abismo onde se  bebem cafés e se fala como se na rua, mas não é a rua, são abismos de azul, mas quem ali acorda todos os dias não sabe, não compara, não analisa. Eram caminhos de terra e pedra, coros de cigarras gritantes e muitos carros e engenhos, motas transportando bicicletas, bicicletas transportando melancias, crianças transportando motas, afinal era uma terra imperfeita. Cheia de luz, mas imperfeita. Afinal, estamos nos Balcãs, e a terra: Albânia.