segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Innsbruck


De Innsbruck, uma lição: o motivo porque viémos não é o motivo porque ficamos. 
Claro que há mais, há tanto mais. Um coração a doer no peito. O reconforto de um abraço perdido em dois anos. Um abraço que precisei tantos dias. Para mim, Innsbruck nunca será palácios nem telhados dourados. Para mim Innsbruck será o regresso de todas as memórias. Porque ouvimos Belle and Sebastian e tu conhecias a minha mala e sabias que me pagaste o vestido que tinha nesse dia. Eu lembrei-me da forma como mexes os dedos e perguntei-te pela família. Falámos dos nossos dias e das nossas existências, sem julgamentos, só sorrisos e reconforto. Fizemos as pazes. 
Há pessoas que não podem sair da nossa vida. Há quem entre inesperadamente. E há aqueles a quem, dolorosamente, não podemos ter por perto, às vezes.
Eu não sei o tamanho das almas mas só consigo ver amor. Pessoas desconhecidas deram-me amor e aconchego, encheram-me o prato de iguarias, tocaram Neil Young na guitarra e cantámos Bob Dylan. Eu não sei o tamanho das almas mas encontrei camas quentes e doces olhos. Tudo ficará bem. Volto por verdes montanhas com duas fatias de bolo de chocolate e banana para amanhã. Volto para um mundo de surpresas e desconhecido.
Tudo ficará bem, seja qual o caminho, tudo ficará bem - desde que os olhos amem e as mãos dêem. 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Bela Maramures


Maramures - Roménia

Qual flor de finas pétalas em cúpula de cristal
Maramures repousa.
Qual nascente da mais pura água
Maramures permanece.
Eu ontem viajei até ao remoto lugar. Um paraíso onde Deus não deixou passar o tempo. Guardou-o, provavelmente, junto ao coração, para o povoar com as suas igrejas e pessoas pequenas de alma tão pura como o vento.
Eu ontem entrei num quadro impressionista de ceifeiras e pastores e campos semeados como quem ama. Eu não sei se este lugar nasceu de uma pintura, ou se a pintura nasceu deste lugar. Tudo é demasiado fantástico, toda a alma é demasiado boa, toda a casa é demasiado honesta. Eu tenho medo de violar este lugar resguardado do resto do mundo. Aqui não há raiva, não há pressa, não há ganância. Aqui as pessoas dizem adeus e abrem as portas. E pedem para ficar. Fica fica devem dizer, entendemos-nos em línguas inventadas. Devíamos ficar sim, porque partimos? Há tanto a aprender aqui. Há tanto que não necessitamos. Daqui, em alternância: igrejas de madeira, cemitérios, galinhas, fardos de palha, carroças, regatos, ovelhas. Daqui, em valores: senhoras de braços dados, os mortos e o passado, sempre o passado, a família e a comunidade, o pão, os campos, a comunhão, a vida para os outros, a vida para a terra.

De Maramures apenas um desejo. Que para sempre permaneça, que nunca se corrompa. Abençoado aquele que venha visitar.

domingo, 5 de outubro de 2014

Cozinha da Mariana


Há uma magia agora 
Uma magia
Auréola sobre as coisas indefinidas
Na cozinha uma abóbora aipo cebolas
Iluminadas sobre a mesa
Do quarto a melodia sobrevive 
Até aqui
Há uma magia um desconhecido
Que dá brilho às coisas 
E de um mundo cheio de certezas desisto
Quis eu e tentei, mas chega
Hoje janelas e as pedras gastas 
Amanhã o imprevisto
Uma jangada que desce 
Embalada na corrente.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Desiquilíbrio



Há um desiquilíbrio natural para as coisas belas.
Uma fome que pare a procura o alimento
Duas mãos que escavam a terra o tesouro
Há um desequilíbrio é preciso,
o coração encher-se e cair alto.
É preciso a tua ausência
Esse o vasto amor e a saudade. 
A inquietação a incerteza.
De quem ama, com um "não" no caminho.
De quem anseia a gente, sozinho.