quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Trabalhar no Montenegro


Por vezes penso que a coisa mais difícil de fazer no Montenegro (ou pelo menos aqui, em Cetinje) é mesmo trabalhar. E não penso em trabalhar por falta de oportunidades, penso em trabalhar porque sim, porque precisamos. Trabalhar pela criação, pelo que se transforma, em nós e nos outros. Mas aqui há uma inércia, as salas estão vazias e todas as esplanadas estão cheias, todas as cadeiras ocupadas. Os copos cheios de rakja, café e cerveja. As mãos cheias de papelinhos com números de apostas. E o tempo corre devagar como uma tarde de verão, apesar dos cinco graus de Dezembro.  Apesar de ser de manhã, ou de tarde, ou meio-dia. As salas estão vazias. As pessoas falam, dão abraços e fumam cigarros cá fora. É uma maré que arrasta para a inércia. Todas as noites antes de dormir faço planos e encho papelinhos de gatafunhos. Deito-me tarde a desenhar, trabalho às escondidas para que ninguém veja. Trabalho-alternativo, trabalho-revolucionário, trabalho pedindo licença. Mas de dia fico calada, engulo as ideias e afogo-me em chá de menta. 


Viver fora é isto, não é? Pôr tudo em causa, o que é certo ou errado, o que é apropriado ou normal, quem detém a razão? Eu? Ou a gente que flutua em cadeiras ao sol, que convive e abraça os amigos e a família? Sinto-me um ponto minúsculo e indecifrável. E é preciso ceder, e ser como a gente, entender como se faz, aqui.


Mas enquando ninguém vê, trabalho. Secretamente.  

(Não digam a ninguém)


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