segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Bagan


Que lugar é este que é tão exótico, tão distante, e que no entanto se torna tão meu? Este calor seco que conheço tão bem não é tropical, é o nosso, o das tardes quentes no Alentejo, das nossas estradas poeirentas. Então é este chão, também sei qual é, de areia e barro, então vou transitando pelo sul de Portugal, ora aqui é a serra algarvia, ora ali a planície alentejana, e o rio que corre sem ondas nos grandes espaços abertos e areais, é um espelho do estuário e das praias desertas de casa. De entre os pagodes, feitos em tijolo, quase vislumbro os castelo de Silves. Mas não é só a Portugal que este lugar me leva, o que já é muito porque o torna meu, mas é também a África, a lugares onde nunca estive mas onde o sol se deve deitar da mesma forma, entre a neblina dourada e as copas das árvores. É também à Europa, pois estes pagodes são como catedrais, e ainda, mais que tudo, e acima de tudo, é o fascínio deste lugar impossível, desta humanidade imensa que é capaz de sonhar tão alto e depois construir, e são paredes cheias de desenhos fantásticos, leões, dragões, budas, olhos rasgados, as bocas sorridentes, coisas com mil anos, andávamos nós na idade média, andavam eles aqui a desenhar nuvens nas abóbadas, a construir estátuas debaixo de campândulas. É a magia de um lugar que se descobre pelas rodas das bicicletas e das lambretas, na estrada onde turistas e locais estão em pé de igualdade,  onde terra se percorre com toda a liberdade, viajando por caminhos vazios, por searas, por aldeias com casas como enormes caixas de vime, e as pessoas dormem em espreguiçadeiras ou dizem adeus. É um sem fim de visões-postal de uma Ásia que muito sofreu, mas que nunca o deixa transparecer, a julgar pela quantidade infinita de bocas e olhares sorridentes.